
Alguns hábitos, ainda que aparentemente inofensivos, minam a credibilidade de quem redige votos e acórdãos. E o pior: expõem o gabinete à crítica de advogados — muitas vezes na sustentação oral, ao vivo, diante do colegiado.
Hoje, trago três desses vícios que você, assessor(a), precisa abandonar com urgência.
1. Não ler as contrarrazões? Isso pode te custar caro (e constranger o seu julgador)
Sim, muitos assessores pulam a leitura das contrarrazões — especialmente quando acham que “a peça é repetitiva” ou “não traz nada novo”.
O problema? Lá pode estar a tese crucial, a prejudicial que virou principal, ou até a peça que vai sustentar a inadmissibilidade do recurso.
E aí vem o vexame:
Na sustentação oral, o advogado aponta que a tese da inadmissibilidade foi ignorada. O julgador, com aquela “cara de paisagem”, mistura de surpresa e desconforto, e o clima no gabinete azeda. A culpa? Sim, recai sobre você, assessor(a).
Como resolver?
Inclua, no modelo de relatório, este trecho:
“Apresentadas contrarrazões [SE FOREM APRESENTADAS], nas quais….., os autos vieram-me conclusos.”
Exemplo prático:
“Apresentadas contrarrazões, nas quais o apelado sustenta ofensa ao princípio da dialeticidade, os autos vieram-me conclusos.”
Ao ter de preencher esse espaço, você se obriga a ler a peça. Simples assim.
2. “Recurso improvido” não existe — literalmente
Esse é outro vício entranhado em muitos gabinetes: a expressão “recurso improvido”.
Problema: o verbo “improver” não existe nos dicionários da língua portuguesa.
O termo correto é “desprover”, e portanto, o uso correto é:
-
“recurso desprovido”
-
“desprover o recurso”
-
Não é preciosismo; é técnica redacional e respeito à língua. Um voto que começa com erro gramatical básico já perde força retórica e autoridade argumentativa.
3. Ementas genéricas enfraquecem o voto (e denunciam preguiça redacional)
Veja esta ementa, retirada de um acórdão real:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. POSSIBILIDADE. PRESSUPOSTOS LEGAIS PREENCHIDOS.
Será concedida tutela antecipada em ação possessória se atendidos os pressupostos dos arts. 561 e 562 do Código de Processo Civil.”
Totalmente genérica. Não há uma só palavra que sinalize o porquê da decisão.
Sim, ementas não devem detalhar o caso concreto, mas devem refletir minimamente as razões jurídicas do acórdão.
Além disso, ementas assim desvalorizam seu trabalho como redator. O advogado bate o olho e já pensa: “Se a ementa é fraca, o voto também deve ser.”
Existe técnica para escrever boas ementas
Ementa não se improvisa. Existe metodologia, e você pode (e deve) aprendê-la. Uma boa ementa:
-
Respeita a estrutura lógica da decisão;
-
Aponta os fundamentos determinantes (ratio decidendi), ainda que de forma resumida;
-
É clara, específica e útil para pesquisa jurisprudencial.
Dica bônus: escreva a ementa por último. Assim, você já tem o raciocínio consolidado e sabe exatamente o que foi relevante no julgamento.
Pequenos ajustes, grandes resultados
Ler contrarrazões.
Escrever “recurso desprovido”.
Redigir ementas com critério técnico.
Parece básico? É mesmo. Mas, na prática, esses detalhes fazem toda a diferença na qualidade e credibilidade do voto.
E mais: te protegem de vexames desnecessários, preservam a imagem do julgador e mostram compromisso com a técnica e com a boa prestação jurisdicional.
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