
A correta utilização de regência verbal é essencial na redação jurídica, pois erros nesse campo podem comprometer a clareza e a precisão do texto. Um exemplo clássico de dúvida recorrente é a expressão “conhecer e dar provimento ao recurso”, que, embora seja amplamente usada, contém um erro de regência. Neste artigo, vamos esclarecer esse ponto e apresentar a forma correta de redigir decisões em âmbito recursal.
Entendendo as Regências de “Conhecer” e “Dar Provimento”
O erro mais comum ao redigir decisões recursais está na confusão entre as regências dos verbos “conhecer” e “dar provimento”. Isso ocorre porque esses dois verbos exigem preposições diferentes:
- Conhecer pede a preposição “do”.
Exemplo: “O juiz conhece do recurso.”
- Dar provimento pede a preposição “a”.
Exemplo: “O juiz deu provimento ao recurso.”
Assim, ao unir essas duas ações em uma mesma frase, deve-se observar que cada verbo possui uma regência distinta. A redação de “conhecer e dar provimento ao recurso” está incorreta porque utiliza apenas a preposição “ao”, desconsiderando a necessidade de “do” para o verbo “conhecer”.
A Estrutura Correta: “Conhecer do Recurso e Dar a Ele Provimento”
A maneira correta de redigir a decisão é separando claramente as duas etapas processuais:
- Conhecer do recurso: significa que o tribunal verificou se o recurso preenche os requisitos de admissibilidade e está apto a ser julgado.
- Dar provimento ao recurso: refere-se ao mérito, indicando que o tribunal concordou com o pedido e modificou a decisão anterior.
Portanto, a forma adequada é:
“Conhecer do recurso e dar a ele provimento.”
Essa construção respeita a regência de ambos os verbos e deixa claro que o conhecimento e o provimento são ações distintas e sequenciais.
Por Que Não Usar “Conhecer para Dar Provimento”?
A utilização de “conhecer para dar provimento” é incorreta porque altera a lógica processual. O conhecimento do recurso e o julgamento de mérito são etapas separadas na apreciação recursal. Conhecer do recurso não implica, necessariamente, dar provimento a ele. O tribunal pode conhecer do recurso e, ainda assim, negar provimento ao mérito.
A conjunção correta para unir essas etapas é a aditiva “e”, como em:
“Conhecer do recurso e dar a ele provimento.”
Uso de “Para” em Contextos Específicos
O uso da preposição “para” só é apropriado quando há uma finalidade específica após o provimento, como no exemplo abaixo:
“Conhecer do recurso e dar a ele provimento para condenar o réu a compensar os danos.”
Aqui, o “para” indica a consequência direta do provimento, justificando seu uso.
Primeira ou Terceira Pessoa no Voto?
Embora o acórdão represente a decisão de um colegiado, é perfeitamente correto que o voto do relator seja redigido na primeira pessoa. Isso ocorre porque, inicialmente, o voto é a manifestação individual do relator, que pode ou não ser seguida pelos demais membros do tribunal. Assim, expressões como “conheço do recurso e dou a ele provimento” são perfeitamente adequadas.
Outra justificativa para o uso da primeira pessoa é que o relator é quem efetivamente analisa o recurso em sua totalidade antes de apresentá-lo ao colegiado. Portanto, a redação na primeira pessoa transmite a individualidade da análise e do entendimento inicial do relator.
Emprego de Pronomes: “A Ele” vs. “Lhe”
Tanto “dar a ele provimento” quanto “dar-lhe provimento” são formas gramaticalmente corretas. No entanto, alguns gramáticos, como Celso Pedro Luft e Cegalla, recomendam o uso de “a ele” para evitar ambiguidade, especialmente quando o objeto indireto não é uma pessoa.
Assim, a recomendação é:
“Conhecer do recurso e dar a ele provimento.”
Exemplos Práticos
- Incorreto: “O tribunal decidiu conhecer e dar provimento ao recurso.”
Correção: “O tribunal decidiu conhecer do recurso e dar a ele provimento.” - Incorreto: “Conheço do recurso e dou-lhe provimento para reformar a sentença.”
Correção: “Conheço do recurso e dou a ele provimento para reformar a sentença.” - Incorreto: “O relator conheceu do recurso e deu provimento ao mesmo.”
Correção: “O relator conheceu do recurso e deu a ele provimento.”
Conclusão
A regência verbal é um aspecto fundamental na redação jurídica, principalmente em textos que exigem precisão e formalidade. Ao redigir uma decisão recursal, é crucial separar as etapas de conhecimento e julgamento de mérito, respeitando as regências específicas de cada verbo.
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