
Há quem tenha verdadeira paixão por certas palavras. Uma delas é o advérbio “respectivamente”, frequentemente empregado nas peças jurídicas — às vezes com razão, muitas vezes sem. Este artigo é um convite à reflexão: será mesmo que você precisa usar essa palavrinha com tanta frequência?
O que significa “respectivamente”?
“Respectivamente” quer dizer “nesta ordem”, “na ordem indicada”, “de forma correspondente”. Ele serve para mostrar a correspondência exata entre dois (ou mais) conjuntos de elementos dispostos numa frase. Ou seja, seu papel é evitar confusão quando há risco de o leitor se perder sobre quem é o quê ou o que corresponde a quem.
Veja exemplos de uso correto:
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“A correção monetária e os juros de mora são contados da data da decisão e do evento danoso, respectivamente.”
➤ Aqui, fica claro: a correção monetária é contada da data da decisão; os juros de mora, do evento danoso. -
“Os pleitos de minoração e de majoração do valor indenizatório foram feitos, respectivamente, pelo réu e pelo autor.”
➤ A estrutura evita ambiguidade: quem pediu a minoração foi o réu, e quem pediu a majoração foi o autor. -
“Os arts. 5º, LVII, e 37, XV, da CF versam, respectivamente, sobre os princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos.”
➤ Cada artigo é associado com clareza ao princípio que trata.
Quando “respectivamente” está errado
Agora, veja frases em que o uso do advérbio não só é inútil, mas confunde ou complica o texto:
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“A ordem pública deve ser resguardada, sob pena de, respectivamente, pôr em xeque a credibilidade do Poder Judiciário e dos órgãos de segurança pública.”
➤ Não há dois conjuntos de elementos correlacionados com precisão. O advérbio aqui é um corpo estranho. -
“Foram aplicados ao caso a Súmula 43 do STJ e o art. 405 do CC, respectivamente.”
➤ O leitor fica se perguntando: respectivamente a quê? A frase não apresentou elementos que justificassem essa correspondência. -
“O autor é pai de dois filhos, que contam, respectivamente, 3 e 11 anos.”
➤ Mais uma vez: o advérbio é desnecessário. A frase se sustenta muito bem sem ele.
Quando é possível usar, mas não precisa
Há situações em que o “respectivamente” não está errado, mas é perfeitamente dispensável, pois a ordem já está clara no próprio contexto. Nestes casos, removê-lo melhora o ritmo e a fluidez do texto.
Veja só:
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“Nos termos do art. 115, I e II, do CPC, a sentença de mérito proferida sem a presença de um litisconsorte necessário é, respectivamente, nula ou ineficaz.”
➤ O advérbio é redundante. Já está claro que o inciso I trata da nulidade e o II da ineficácia. -
“A matéria foi apreciada, respectivamente, em exceção de incompetência e em apelação.”
➤ Novamente, a ordem dos elementos já comunica o necessário.
Conclusão: menos é mais
“Respectivamente” é uma ferramenta útil, mas de uso pontual. Quando usado com precisão, esclarece. Quando empregado sem necessidade, enche o texto de ruído e formalismo desnecessário.
Dica final: Antes de usar esse advérbio, pergunte-se:
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Estou realmente correlacionando dois ou mais conjuntos de elementos?
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Há risco de ambiguidade sem o advérbio?
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O leitor precisa dessa informação adicional de correspondência?
Se a resposta for “não”, corte sem dó. Seu texto agradece.
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