
“o recurso foi conhecido”, “a apelação foi conhecida pela câmara”, “requer seja conhecido o recurso”
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Gramaticalmente, está incorreto escrever “o recurso foi conhecido”, “a apelação foi conhecida pela câmara”, “requer seja conhecido o recurso” e qualquer outra frase em que o verbo “conhecer” apareça apassivado.
Calma que vou explicar no decorrer deste post.
Seguinte. Se tem uma coisa que aprendemos no colégio ou em cursinhos preparatórios é que apenas os verbos transitivos diretos (ou os bitransitivos – direto e indireto) admitem a voz passiva; os transitivos INdiretos não aceitam, com raríssimas exceções, a passividade.
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Verbos transitivos diretos são aqueles que transitam para seu complemento diretamente, isto é, SEM PREPOSIÇÃO.
O verbo “analisar”, por exemplo, é transitivo direto: escrevemos “o juiz analisou os autos”, não “o juiz analisou Dos autos” ou “analisou Pelos autos”.
Já os verbos transitivos INdiretos transitam para seu complemento indiretamente, COM O APOIO DE PREPOSIÇÃO.
O verbo “precisar” na frase “preciso de dinheiro” é transitivo indireto, porque entre “preciso” e “dinheiro” usamos a preposição “de”.
Pois bem. Como disse inicialmente, em regra, apenas os verbos transitivos diretos admitem a voz passiva.
Desse modo, como “analisar” é transitivo direto, tanto podemos escrever “o juiz analisou os autos”, na voz ativa, quanto “os autos foram analisados pelo juiz”, na passiva.
Por outro lado, uma vez que o verbo “precisar” em “preciso de dinheiro” é transitivo INdireto, a passividade nessa frase é impossível, de forma que escrever “preciso de dinheiro”, na ativa, está correto, mas “dinheiro é(foi) precisado” não.
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O verbo “conhecer” nas frases do post também é transitivo INdireto e exige a preposição “de” entre o verbo e seu complemento.
Quem escreve “o ministro não conheceu o recurso” escreve mal, pois o correto é “o ministro não conheceu Do recurso”.
Bom, então agora ficou fácil: se repararem bem, todas as frases do post estão na voz passiva.
Ora, uma vez que “conhecer”, no sentido nelas usado, é transitivo INdireto, as construções estão de fato gramaticalmente erradas, pois, como vimos, nesse caso o verbo só admite a voz ativa.
Assim, temos:
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⠀“O recurso foi conhecido” (errado – voz passiva)
⠀“[A turma] conheceu do recurso” (certo – voz ativa)
⠀“A apelação foi conhecida pela câmara” (errado – voz passiva)
⠀“A câmara conheceu da apelação” (certo – voz ativa)
⠀“Requer seja conhecido o recurso” (errado – voz passiva)
⠀“Requer que [a câmara] conheça do recurso (certo – voz ativa)
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Vejam que, ao contrário do que se poderia imaginar, escrever “Requer seja conhecido DO recurso” também não resolve o problema, já que a estrutura continua na passiva, o que não é permitido, repito, com o verbo “conhecer”, que no caso é transitivo INdireto.
Os mais atentos repararam que venho dizendo que o “conhecer” na voz passiva é GRAMATICALMENTE incorreto.
Ocorre, pessoal, que escrever sempre de acordo com o que prescreve a gramática não significa, nem aqui nem em nenhum outro lugar do mundo, necessariamente escrever bem.
É aquela história que vivo repetindo aos meus alunos: escrever boas frases não significa escrever bons textos.
Como operadores jurídicos, devemos sempre visar ao convencimento do leitor.
Se, por exemplo, para imprimir ritmo ao texto, a passiva com o “conhecer” soar melhor, que mal há nela?
Ah, Professor, se for pensar assim, tudo que para mim soar melhor mas estiver errado eu vou usar?
Pera lá, claro que não!
Estamos falando aqui de uma estrutura que toda a comunidade jurídica, desde o assessor da mais longínqua comarca até os ministros do STF, escreve errado!
Todo mundo escreve “o recurso foi conhecido”, na passiva!
Além disso, ainda que sejam raros, alguns verbos transitivos INdiretos admitem a passiva (a exemplo do “obedecer”, “pagar” e “perdoar”), e ao explicarem o motivo para tanto os estudiosos dizem que nesses casos a passividade é permitida por razões históricas.
Ora, se por “razões históricas” entende-se o emprego reiterado da forma tida como errada, o “conhecer” na voz passiva está abonado, haja vista constituir, como já falei, uso consagradíssimo entre nós.
É por isso que, a depender do contexto, às vezes uso o “conhecer” na voz passiva nas minhas peças.
É errado? Sim. Pela gramática, sim.
Por hoje, era isso.