A análise sintática explicada à minha filha
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Quarta-feira passada minha filha teve outra prova de língua portuguesa.
Assunto: adjunto adnominal, complemento nominal e vozes verbais.
E lá veio ela:
⠀– Pai, não entendi direito a diferença entre adjunto adnominal e complemento nominal…
⠀– O quê?! Não acredito que a escola ainda cobra esse tipo de coisa!
Olha, filha, se tem um assunto realmente inútil para aprender em gramática é esse, é essa diferença ridícula.
Não leva a nada.
Mas vamos fazer o seguinte, vamos estudar as vozes do verbo e depois voltamos a este assunto.
Fica mais fácil de entender.
⠀
⠀“Quais são as vozes do verbo?”, pergunto a ela. Igual a um robozinho, ela responde: “Voz ativa e passiva.
A voz ativa é aquela em que o sujeito pratica a ação do verbo, e a passiva é aquela em que o sujeito sofre a ação”.
Pedi a ela que desse exemplos. Ela deu.
Então, para a prova, estava bom, estava tudo bem decoradinho.
Mas fui lá eu, como sempre, exercer o papel que a escola deveria cumprir:
⠀– Mas, Alice, o que me leva a usar a voz ativa e a voz passiva?
Podemos usar uma ou outra quando quisermos? Não existe diferença nenhuma?
Como eu já esperava, não soube responder. Continuei:
⠀– Para ti, dizer “ele cometeu o crime”, voz ativa, e “o crime foi cometido por ele”, passiva, é a mesma coisa?
Como não raro acontece nessas horas, ela respondeu que sim, que é a mesma coisa.
⠀– É, estás certa, as frases têm realmente o mesmo sentido.
Mas o efeito que provoca no leitor é diferente… aqui está o ponto!
Para teres uma ideia, saber usar as vozes verbais na hora certa é característica comum dos grandes advogados.
Quando um advogado quer obscurecer, esconder, a participação do seu cliente em um crime, por exemplo, usa uma voz; quando não for esse o objetivo, usa outra.
Vendo que consegui prender sua atenção, prossegui:
– Agora voltando àquela diferença entre adjunto adnominal e complemento nominal.
Tenho certeza de que a tua dificuldade está em frases como “a leitura do livro é boa”, né? Não sabes se “do livro” é adjunto ou complemento.
⠀– É, é bem isso.
⠀– O livro lê? Não, né, o livro é lido… livro, portanto, sofre a ação do verbo… “do livro” aí então é complemento nominal.
Tens que decorar isso.
Agora, em “a leitura do garoto é boa”, o garoto está lendo, ele não sofre, mas exerce a ação verbal… então “do garoto” é adjunto adnominal.
⠀
⠀Teria tanta coisa legal para explorar com essa molecada.
Fosse eu o professor, faria análise sintática (semântica e pragmática também!) em cima da leitura só dos bons:
José Saramago, Mario Vargas Llosa, Tolstói, James Joyce, Clarice Lispector (sim, todos eles já escreveram livros para essa faixa etária).
Ou, sei lá, faria o mínimo: ensinaria primeiro as vozes verbais para só depois explicar aquela diferença ridícula e inútil.