
Quando o tema é embargos de declaração, uma pergunta estratégica precisa ser feita: se você vai alegar dois vícios na decisão embargada, qual deles deve ser apresentado primeiro para aumentar as chances de acolhimento integral?
A resposta está menos no direito e mais na psicologia cognitiva — especialmente nas heurísticas e nos vieses que influenciam o raciocínio humano, inclusive o dos juízes.
O que são heurísticas e vieses
Esses conceitos foram popularizados por Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel, no livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”.
Heurísticas são atalhos mentais utilizados pelo cérebro para tomar decisões rápidas, baseadas em experiências passadas. Já os vieses cognitivos são distorções sistemáticas de julgamento que resultam desses atalhos. Em outras palavras: mesmo decisões técnicas, como as judiciais, não são imunes à influência de fatores psicológicos inconscientes.
A heurística da ancoragem aplicada aos embargos
Uma das heurísticas mais relevantes para o advogado conhecer é a da ancoragem. Ela ocorre quando a primeira informação recebida exerce influência desproporcional sobre as decisões subsequentes.
Ao identificar um erro claro e objetivo no início, o julgador tende a tomar esse primeiro ponto como base e a julgar o restante a partir dele. Isso se relaciona diretamente com o viés da confirmação — a tendência que todos temos de aceitar informações que reforçam percepções já formadas.
Aplicando na prática
Nos embargos de declaração, se forem identificados mais de um vício — como erro material, omissão, obscuridade ou contradição — a melhor estratégia é começar pelo vício mais evidente.
Exemplo 1: erro material + omissão
Apresente primeiro o erro material. Por ser mais objetivo, o julgador tende a reconhecê-lo mais rapidamente. Esse acolhimento inicial gera uma predisposição favorável à análise do segundo vício, a omissão.
Exemplo 2: contradição + omissão
Se a contradição for clara, inicie por ela. A chance de acolhimento do segundo ponto, a omissão, aumenta após o reconhecimento do primeiro vício.
Esse tipo de abordagem utiliza princípios da psicologia cognitiva para organizar a argumentação jurídica de forma mais persuasiva.
Uma observação importante
É válido lembrar: este raciocínio se aplica especificamente aos embargos de declaração. Em outras situações — como nos recursos que discutem o mérito da causa — o raciocínio pode ser outro.
Já comentei anteriormente sobre o chamado “viés de compensação”, que leva alguns julgadores a deferir um pedido e, inconscientemente, negar o seguinte como forma de equilibrar a decisão. Contudo, esse fenômeno se aplica a julgamentos de mérito. Nos embargos, o que prevalece são as heurísticas de reconhecimento de erro e a lógica da confirmação.
Dominar o direito é essencial, mas compreender como pensamos e como decidimos é um diferencial estratégico na advocacia.
Nos embargos de declaração, a escolha da ordem em que os vícios são apresentados pode fazer a diferença entre o acolhimento parcial e o acolhimento integral. Ao começar pelo vício mais evidente, o advogado aumenta significativamente suas chances de sucesso — utilizando a própria estrutura cognitiva do julgador como aliada.
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