
Muitos assessores de gabinete certamente vão se identificar com a situação que descrevo a seguir.
Você termina uma minuta de sentença com todo cuidado, revisa a gramática, confere os fundamentos, entrega ao juiz — e então ouve:
“Olha, o seu texto não está no estilo do doutor. Ele não costuma escrever assim…”
Quando, enfim, você vai conferir qual seria “o estilo do doutor”, descobre que o tal estilo inclui, por exemplo, erro gramatical. Pois é. Eu também já passei por isso.
Estilo não é ausência de norma
Trabalhei com um desembargador que, sistematicamente, não usava vírgula antes de “pois”. Uma colega justificava: “É o estilo dele”.
Não, não é. Se há um caso de vírgula obrigatória na língua portuguesa, é justamente esse: antes do pois explicativo (ainda mais quando a oração anterior for longa e assindética). Ignorar isso não tem nada a ver com estilo — é pura falta de conhecimento gramatical.
A falha da escola: ensino sem função
Muito disso vem da forma como a Estilística é ensinada nas escolas. Normalmente, a abordagem se limita à memorização de nomes como catacrese, zeugma, homoptoto, entre outros termos que mais confundem do que ajudam.
O que se perde, porém, é o sentido: o professor raramente explica que as figuras de linguagem são recursos estilísticos, usados de forma intencional para gerar efeito expressivo no leitor. Sem esse entendimento, forma e função ficam dissociadas.
O verdadeiro sentido de “estilo” na escrita
Em textos argumentativos — especialmente os jurídicos —, o termo “estilo” não pode ser entendido como qualquer traço que torne reconhecível o autor. O estilo, em sentido técnico, é o desvio intencional da norma com finalidade expressiva.
Ou seja: é aceitável quebrar uma regra gramatical, desde que essa quebra seja consciente e com um propósito comunicativo claro. Veja este exemplo:
“A culpa é da escola, sabe?”
Tecnicamente, o correto seria: “sabem”, já que o sujeito é “muitos”, mencionado anteriormente. No entanto, o uso do singular aqui cria uma aproximação maior com o leitor, confere naturalidade à fala. Foi um desvio intencional, com efeito comunicativo — um recurso estilístico legítimo.
Agora, se alguém deixa de usar vírgula antes de “pois” apenas porque “acha feio” ou “não gosta”, o que temos é erro gramatical puro e simples, que não pode ser disfarçado sob o nome de “estilo”.
Nem todo recurso estilístico é desvio
Há também escolhas estilísticas dentro da própria norma gramatical. Compare:
-
“Se houve culpa, foi por parte do réu.”
-
“Se culpa houve, foi por parte do réu.”
Ambas estão corretas. A segunda, porém, usa uma inversão (figura chamada hipérbato), que imprime mais ênfase e solenidade à frase. Aqui, o estilo se manifesta não como desvio, mas como escolha consciente entre estruturas igualmente normativas.
Conclusão
Erros gramaticais não se justificam como estilo. Estilo é técnica, é consciência da norma e domínio de suas possibilidades — não descuido ou resistência ao aprendizado.
Quem trabalha com redação jurídica precisa entender: escrever bem não é só conhecer o Direito — é saber aplicar a linguagem com precisão, responsabilidade e intenção.
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