
Já mencionei diversas vezes que, para o magistrado e o assessor, manter a decisão recorrida é muito mais fácil do que reformá-la. Isso requer menos esforço cognitivo e, na maioria das vezes, basta reafirmar os fundamentos da decisão de primeiro grau.
No entanto, para que a minuta do acórdão tenha maior credibilidade, os assessores frequentemente buscam um “algo a mais” que justifique a manutenção da decisão recorrida de maneira mais robusta. E muitas vezes, esse argumento extra vem da própria parte recorrente.
O perigo da estrutura “a própria parte sustenta”
Se há uma frase que os assessores adoram incluir em seus projetos de acórdãos, essa frase é:
“Ademais, a própria parte sustenta/confirma que…”
Essa estrutura dá um tom de imparcialidade e reforça que a decisão recorrida está correta com base nas próprias palavras do recorrente. Ou seja, o assessor usa um trecho da peça da parte recorrente para fundamentar a rejeição do recurso.
Exemplo prático:
Imagine que uma parte pede gratuidade da justiça, mas tem o pleito indeferido e interpõe agravo.
No recurso, ela menciona que ainda tem valores a receber da parte contrária.
Se o assessor identificar esse trecho, ele pode utilizar na minuta do acórdão a seguinte estrutura:
“Ademais, a própria parte agravante alega que tem valores a receber da parte agravada, o que demonstra a ausência de hipossuficiência econômica e justifica o indeferimento da gratuidade da justiça.”
Ou seja, o próprio advogado forneceu um argumento que foi usado contra seu cliente.
Como evitar que seus argumentos sejam usados contra você?
1. Não escreva mais do que o necessário
Evite incluir informações que não sejam estritamente relevantes ao seu argumento. Cada palavra na peça deve ter um propósito claro e bem direcionado.
2. Sempre complemente informações que possam ser mal interpretadas
Se for inevitável incluir um dado que pode ser distorcido, complemente a informação com um contraponto.
Exemplo:
Em vez de escrever:
“A autora recebeu do réu a quantia de R$ 5.000,00.”
Escreva:
“A autora recebeu do réu a quantia de R$ 5.000,00. Todavia, esse valor não se refere ao débito discutido nestes autos, mas sim a uma obrigação distinta.”
Isso impede que o assessor use a informação isolada para reforçar a tese da parte contrária.
3. Avalie se o argumento faz sentido no caso
Antes de incluir um argumento na peça, pergunte-se:
- Isso está bem comprovado nos autos?
- Essa informação é realmente necessária para fortalecer minha tese?
- Ela pode ser mal interpretada ou usada contra mim?
Se houver qualquer dúvida sobre o impacto do argumento, é melhor reformulá-lo ou até excluí-lo.
4. Revise a peça com o olhar do juiz/assessor
Leia sua própria peça como se fosse o magistrado ou o assessor. Pergunte-se se há alguma estrutura que possa ser facilmente transformada na famosa frase “a própria parte sustenta que…”. Se houver, reescreva.
Conclusão
No âmbito recursal, qualquer informação mal colocada pode ser aproveitada pelo assessor para justificar a manutenção da decisão recorrida. Evite armadilhas na sua redação, mantenha a objetividade e sempre preveja como suas palavras podem ser utilizadas no julgamento. Essa abordagem fará uma grande diferença na forma como seu recurso será analisado.
Assista aos meus vídeos no Youtube
Me siga no Instagram
Compre o E-book Guia de Redação Jurídica