
Um seguidor me escreveu com uma dúvida interessante — e bem técnica:
“Professor, a expressão ‘muito embora’ está correta? Afinal, ‘muito’ é advérbio, e advérbios só podem modificar verbos, adjetivos ou outros advérbios. Mas ‘embora’ é conjunção, então essa construção não estaria errada?”
A pergunta é legítima. E a resposta? Vamos com calma.
Análise gramatical: ele tem razão?
Sob uma análise estritamente gramatical, como se estivéssemos tratando a língua como uma equação matemática sem alma, o questionamento faz sentido.
De fato, o advérbio “muito” modifica verbos, adjetivos ou outros advérbios — e “embora” é uma conjunção subordinativa concessiva.
Então, à luz da morfologia tradicional, usar “muito” antes de “embora” parece inadequado, certo?
Só que… a linguagem jurídica não é um laboratório de química
Na prática da redação forense, a realidade é outra.
A expressão “muito embora” aparece em praticamente todas as petições e decisões judiciais, das mais simples às mais sofisticadas.
Quer um exemplo?
“Muito embora o autor alegue hipossuficiência, não juntou aos autos qualquer documento que a comprove.”
Você já viu esse tipo de construção milhares de vezes — e vai continuar vendo. Por quê?
Porque faz parte da praxe. É idiomática. Funciona como um conector já assimilado pelo vocabulário técnico-jurídico.
A praxe valida o uso
Na linguagem jurídica, o costume linguístico tem força normativa.
Se uma expressão é amplamente adotada — e, mais que isso, é entendida sem ruídos —, ela ganha legitimidade pelo uso.
É o caso de “muito embora”.
Outros exemplos semelhantes:
“Pede deferimento” (quando o tecnicamente correto seria “pede procedência” ou “pede provimento”)
“Dos fatos”, “Do direito”, “Dos pedidos” (estruturas que seguem sendo usadas mesmo sem exigência formal)
Ninguém vai deixar de usar essas expressões — porque elas são esperadas por quem lê, seja assessor, seja magistrado.
E a gramática, afinal?
Curiosamente, mesmo sob a ótica gramatical, dá para justificar o uso.
A conjunção “embora” introduz orações adverbiais concessivas. Ou seja, tem valor adverbial.
Logo, ao dizer “muito embora”, estamos intensificando o caráter concessivo da oração — como quem diz: ainda que muito, mesmo com bastante força contrária….
Inclusive, alguns dicionários já registram a locução “muito embora” como expressão válida (caso do Aulete, por exemplo).
Sim, você pode usar “muito embora” em petições.
Use sem medo e sem culpa. Mais importante do que a análise morfológica fria é a efetividade comunicativa da peça — e o respeito à linguagem compartilhada entre quem escreve e quem julga.
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