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Preliminar Não Se Confunde com o Mérito

Há uma impropriedade técnica recorrente na redação de decisões judiciais: ao se depararem com uma preliminar que guarda relação com o mérito, muitos magistrados ou assessores costumam declarar que “a matéria se confunde com o mérito e com ele será analisada”. À primeira vista, pode parecer uma prática inofensiva. Mas, tecnicamente, ela é equivocada.

Vejamos um exemplo bastante comum na Justiça do Trabalho. Em sede de contestação, a parte reclamada frequentemente suscita uma preliminar de ilegitimidade passiva, argumentando que o reclamante não era seu empregado, ou seja, que não havia relação de emprego entre as partes. A depender da análise dessa questão, o processo pode ser extinto sem resolução de mérito.

O que costuma acontecer? O juiz, ao se deparar com a alegação, anota em sua sentença a famosa frase: “a matéria se confunde com o mérito e com ele será analisada”.

Nada mais incorreto.

A razão é simples: preliminar é preliminar, mérito é mérito. Embora os fundamentos fáticos possam ser os mesmos — por exemplo, a inexistência de vínculo empregatício —, as consequências processuais são distintas. No campo processual, uma coisa não se confunde com a outra.

Se o juiz entende que a existência ou inexistência da relação de emprego interfere diretamente no desfecho da causa, ele deve enfrentar a preliminar de imediato, rejeitando-a sob o argumento de que a questão se refere ao mérito da demanda. O que não pode fazer é ignorá-la ou postergar sua análise, sob pena de omissão e negativa de prestação jurisdicional.

Essa distinção não é mero preciosismo técnico. Trata-se de respeitar a lógica processual e a ordem de análise das questões no processo civil e trabalhista. Preliminares devem ser enfrentadas previamente, pois seu acolhimento pode obstar o exame do mérito. Se o magistrado entende que a alegação não é, de fato, preliminar, mas sim de mérito, deve assim declarar expressamente, rejeitando a preliminar por essa razão.

Para ilustrar ainda mais a confusão técnica, podemos citar outro exemplo comum em acórdãos. Em muitos julgamentos, vê-se o relator não enfrentar uma alegação de prescrição sob a justificativa de que o recurso será provido e, portanto, a análise da prejudicial torna-se desnecessária. Ocorre que, em determinados casos, o reconhecimento da prescrição poderia ser mais benéfico ao recorrente do que o simples provimento do recurso. O erro, aqui, está em presumir o que seria mais vantajoso, sem análise concreta da alegação.

Essas falhas, infelizmente, revelam falta de rigor técnico. E o rigor técnico, especialmente no processo, é uma forma de respeito ao jurisdicionado e ao devido processo legal.

Conclusão: quando uma questão é suscitada como preliminar, ela deve ser enfrentada como tal. Se se constata que se trata de matéria de mérito, deve-se rejeitar a preliminar com essa justificativa, e não deixá-la “em aberto” para posterior análise. Confundir as etapas processuais é, em si, uma impropriedade — e pode gerar consequências relevantes, inclusive em sede recursal.

Aprumo técnico, pessoal. Aprumo técnico.


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3 de maio de 2025
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