
É comum encontrarmos em petições o uso incorreto dos adjetivos “aplicável” e “aplicado” — especialmente quando são utilizados como se fossem intercambiáveis. Acontece que, apesar de parecerem semelhantes, eles não transmitem o mesmo sentido.
Vamos entender a diferença e ver quando cada um deve ser usado.
A origem da confusão
O adjetivo “aplicável” é formado a partir do verbo “aplicar” com o sufixo -vel, estrutura típica da adjetivação deverbal (sim, é esse o nome técnico). Esse sufixo carrega, via de regra, o sentido de possibilidade.
No nosso dia a dia jurídico, empregamos constantemente adjetivos dessa natureza:
Censurável (aquilo que pode ser censurado)
Punível (aquilo que pode ser punido)
Aceitável (aquilo que pode ser aceito)
Aplicável (aquilo que pode ser aplicado)
Dispensável (aquilo que pode ser dispensado)
Uma observação útil: alguns desses adjetivos transmitem uma ideia de possibilidade mais neutra (como “aceitável” ou “aplicável”) — vamos chamá-los, por conveniência, de adjetivos derivados de verbos fracos. Outros, como “punível” ou “condenável”, carregam valor moral ou jurídico mais carregado — verbos fortes, digamos.
Mas e o “aplicável”?
Bom, “aplicável” só deve ser usado quando a ideia for de possibilidade — ou seja, quando queremos dizer que algo pode ser aplicado, e não que já é aplicado ou deve ser.
Veja dois exemplos corretos:
“Segundo o art. 46, ‘caput’, do Código Penal, a substituição de pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas somente é aplicável quando a pena corporal convertida é superior a seis meses.”
(ou seja, só pode ser aplicada nesse caso)
“A continuidade delitiva não é aplicável quando o agente faz do crime seu meio de vida.”
(não pode ser aplicada)
Quando “aplicável” está errado
Veja agora esta frase, comum em peças processuais:
“Tratando-se de execução de contrato, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no § 5º do art. 206 do Código Civil.”
Aparentemente está certa, não? Mas, tecnicamente, não está.
Aqui, não se quer dizer que o prazo de cinco anos pode ser aplicado. Ele já é, de fato, o prazo que rege o caso. A ideia aqui não é de possibilidade, mas de efetiva incidência da norma.
O correto seria:
“…é aplicado o prazo prescricional…”
“…deve ser aplicado o prazo prescricional…”
“…aplica-se o prazo prescricional…”
Conclusão
Sempre que estiver diante da tentação de usar “aplicável”, pergunte-se: estou dizendo que algo pode ser aplicado (possibilidade)? Ou estou afirmando que algo se aplica, se aplicou ou deve se aplicar?
Se a resposta for a segunda, “aplicado” é a forma certa.
Uma distinção simples, mas que revela apuro técnico e domínio da linguagem jurídica.
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