Nunca é demais repetir: escrevemos para convencer, e a clareza é uma poderosa aliada na arte de persuadir. Um texto bem-escrito é, por si só, um argumento em favor da tese que defendemos. O post de hoje nasce exatamente dessa premissa.
Já comentei em outras ocasiões que o verbo “interpor” é transitivo direto e indireto. Isso significa que ele exige dois complementos: um objeto direto (o recurso) e um objeto indireto (contra o que ou de onde o recurso se origina). Assim, é gramaticalmente correto dizer:
Interpor recurso contra a decisão,
Interpor recurso da decisão.
Ambas as formas são aceitáveis em termos de regência verbal. Mas será que basta estarem corretas para serem igualmente eficazes?
A escolha da preposição pode comprometer a clareza
Vejamos este exemplo:
“No julgamento do agravo interposto pelo credor da decisão, a Câmara…”
Reparem: o uso da preposição “de” gera ambiguidade. Numa leitura rápida, o leitor pode compreender que há um “credor da decisão”, como se a decisão estivesse devendo algo a alguém.
Por mais absurda que pareça essa leitura, o simples fato de ela ser possível já é motivo suficiente para evitarmos a estrutura. Afinal, não podemos permitir que o leitor hesite na compreensão do texto. Se ele precisa reler a frase para entendê-la, o impacto do argumento já foi reduzido — e o convencimento, comprometido.
Compare agora com esta versão:
“No julgamento do agravo interposto pelo credor contra a decisão, a Câmara…”
Aqui, não há dúvida: trata-se de um recurso interposto contra a decisão. A preposição “contra” elimina qualquer possibilidade de confusão. É esse o tipo de escolha consciente que diferencia o redator técnico do escritor descuidado.
Regência não é tudo — contexto também importa
A regência correta não basta. O domínio técnico da norma culta precisa vir acompanhado da atenção ao contexto e de um compromisso com a comunicabilidade do texto. Escolher entre estruturas corretas exige critério. E esse critério deve ser: qual forma faz o leitor entender com mais facilidade?
Um exemplo pessoal: ao revisar este próprio texto, eu havia escrito originalmente “podemos livremente escolher uma das opções de olhos fechados”. Mas ao reler, percebi a dissonância semântica: opções de olhos fechados? A imagem evocada não faz sentido. Reescrevi a frase. Não por erro gramatical, mas para evitar o ruído de leitura.
Conclusão
A escolha entre “interposto da decisão” e “interposto contra a decisão” ilustra uma lição valiosa:
não escrevemos para nós mesmos, mas para um leitor — e para convencê-lo.
Muitos ainda ignoram essa verdade elementar. Mas quem a compreende passa a enxergar a linguagem jurídica como uma ferramenta de precisão, que exige técnica, cuidado e intenção. E quanto mais clara e direta for a linguagem, mais eficaz será o argumento.